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(Fuvest) MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, de Machado de Assis


AO VERME

QUE

PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES

DO MEU CADÁVER

DEDICO

COMO SAUDOSA LEMBRANÇA

ESTAS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS

~ o autor ~

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis, ou mas conhecido apenas como Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro do Livramento. Negro e pobre, superou todas as dificuldades que a vida lhe impôs e se tornou um dos mais conceituados escritores da literatura brasileira, ao lado dos maiores gênios de toda literatura mundial, como Shakespeare, Dante e Camões. Foi romancista, poeta, contista, dramaturgo e crítico literário, filho de dois escravos, Francisco José de Assis, um pintor de paredes, e Maria Leopoldina da Câmara Machado, uma lavadeira portuguesa.

Aos dezesseis anos, ingressou os trabalhos como aprendiz de tipógrafo no Rio de Janeiro, onde conheceu Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de Milícias, uma de suas maiores influências. Nessa época, publicou o poema Ela na Marmota Fluminense, revista então do famoso jornalista Francisco de Paula Brito. A partir de então, passou a publicar vários tipos de textos, como romances, poemas, crônicas, contos e peças teatrais. Tornou-se, logo, funcionário público, e em 1869, casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier, seu amigo. Esta, não só como um casamento prazeroso, proporcionou a Machado a sua ascensão literária, pois era ela que opinava, corrigia e modificava o seus trabalhos literários. Em 1904, Machado de Assis dedicou-lhe um soneto após sua morte, A Carolina.

Em 1896 ainda, ao lado de grandes escritores da época, como Medeiros e Albuquerque e Lúcio Mendonça, Machado de Assis criou a Academia Brasileira de Letras, inspirado na Academia Francesa, tornando-se o seu primeiro e eterno presidente, e fundador, onde trabalhou ao lado de Aluísio Azevedo, Olavo Bilac e Graça Aranha, além de outros.

Faleceu, cercado de fama e glória, no dia 29 de setembro de 1908, em sua cidade natal, na casa de Cosme Velho (que mais tarde lhe traria o apelido de “Bruxo do Cosme Velho”), aos sessenta e nove anos.

Quanto à obra de Machado de Assis, que constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas, podemos dividi-la em duas fases:

Fase Romântica ou convencional (segundo críticos): destaca-se, nessa primeira fase, obras ainda de aspectos românticos, como Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia, e ainda uns contos.

Fase Realista: nesta fase, o autor já se encontra maduro e com características realistas. Temos as obras: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro (essas três formam a Trilogia Realista), Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

O estilo machadiano


É de tamanha dificuldade classificar a obra machadiana em apenas uma escola literária. Todos os seus livros englobam características variadas e, muitas vezes, próprias do autor. Mesmo em sua primeira fase, a considerada romântica, o autor já solidifica seus passos em direção ao realismo, trazendo, por exemplo, mulheres fortes, o casamento por interesse e o psicologismo, aspectos abominados pelo Romantismo.

Na fase realista, a de amadurecimento, que se inicia com Memórias Póstumas de Brás Cubas, além criticar e seguir algumas das normas dessa escola, Machado de Assis ainda foge em alguns sentidos, como é visível na adoção de processos impressionistas, em que ocorre a ruptura da linearidade, e os narradores em 1ª pessoa, que, segundo Flaubert – pai do realismo francês -, deviam se esconder por atrás da objetividade da narrativa, “um romance que narra a si próprio”.

Em suma, é indispensável lembrar que, antes de tudo, Machado de Assis era... Machado de Assis!, o grande Bruxo do Cosme Velho, um homem moderno, oposto à regras e convenções, e, consequentemente, seu estilo compõe-se de muitos elementos. Estão entre eles os clássicos (equilíbrio, concisão), resíduos românticos, aproximações realistas (criticidade, objetividade etc), impressionismo, e até antecipações modernistas, que se percebe através da estrutura fragmentada de seus romances, a ruptura com o linear, a metalinguagem, as obras abertas. Há, também, a poesia parnasiana, que lhe influencia durante a vida a adulta. Portanto, é complicado enquadrar Machado de Assis dentro de um modelo.

A seguir, algumas das principais características machadianas:

METALINGUAGEM: o narrador comenta com o leitor a própria escritura do romance, fazendo, assim, uma relação de metalinguagem, a linguagem falando da própria linguagem.

IMPRESSIONISMO ASSOCIATIVO: há uma ruptura com a linearidade, os fatos são apresentados ao leitor conforme afloram à consciência do narrador.

DIGRESSÃO: o autor faz uma pausa na narrativa para comentar assuntos variados, às vezes tecer uma crítica a um personagem, citar filosofia, pensamentos, ou falar sobre a própria escrita, a metalinguagem. Uma influência de Tristram Shandy e de Manuel Antônio de Almeida.

UNIVERSALISMO: o narrador fala da essência humana, os grandes temas filosóficos na obra, o caráter relativo da moral humana, as convenções socias e os impulsos interiores, o normal e o louco, o acaso, o ciúme, temas comuns ao ser humano; não há mais o individualismo dos românticos, que focavam-se em si próprios, nos próprios problemas e aflições.

ARQUÉTIPO: Machado de Assis era um leitor assíduo, desde Shakespeare até Sterne. Vê-se, em sua obra, o uso de muitos paradigmas, arquétipos, espécies de modelos, fazendo intertextualidades com obras e até histórias bíblicas (Dom Casmurro e Otelo; Esaú e Jacó, Caim e Abel, respectivamente)

IRONIA, HUMOR E PESSIMISMO: embora a obra machadiana seja permeada de pessimismo e descanto da vida e do homem, há, ainda, mesclado a esses sentimentos, a ironia e humor. Exemplo de pessimismo é o último capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas.

PSICOLOGISMO: muitos críticos consideram Machado de Assis como pai da psicanálise; em suas obras, há uma imensa sondagem da alma humana; os fatos e atitudes exteriores não importam senão no momento que revelam o interior do indivíduo.

OBJETIVIDADE: a concisão, a economia vocabular marcam a obra machadiana; o autor, ao lado de Graciliano Ramos, é considerado como um dos autores que usam do menos para mais se expressar. Em poucas palavras, mais significado.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

RESUMO

Para abrir de forma inovadora o romance, o narrador começa por definir-se como um “defunto autor”, isto é, alguém que, depois de morto, resolveu escrever suas memórias.

Depois de narrar as circunstâncias de sua morte, uma pneumonia, Brás Cubas retorna à infância. Filho de gente rica, sempre teve tudo o que desejou. Passou a infância bem-aventurada dos desejos satisfeitos. Na juventude, envolveu-se com uma prostituta de luxo chamada Marcela. O pai, para interromper o caso que já lhe custava muito os bolsos, mandou o filho estudar na Europa. Formando, Brás retornou apenas quando a mãe caiu de cama. Depois da morte dela, ele resolveu passar uma temporada na casa de campo da família, isolado. O pai foi buscá-lo para reconduzi-lo à vida na Corte, onde um casamento rico e uma carreira política o esperavam. Adiando a volta, o moço encantou-se com certa Eugênia, moça coxa, filha de uma grande amiga da mãe, vizinhas da casa de campo. Depois de conseguir arrancar um beijo de sua nova conquista, ele a abandonou, retornando à Corte para cumprir os desígnios do pai.

Conheceu então a noiva que lhe era destinada: Virgília, filha de um Conselheiro. Titubeante na condução do compromisso, acabou sendo substituído, tanto no casamento quanto na carreira política, por um jovem mais ambicioso e atirado que ele, Lobo Neves. Depois de casada, Virgília tornou-se amante de Brás Cubas. Os dois encobriam seus amores com encontros secretos em uma casa montada especialmente para isso, da qual tomava conta dona Plácida, antiga empregada de Virgília. O caso amoroso durou muitos anos, e as desconfianças de Lobo Neves, jamais confirmadas, vieram tarde demais. Quando o marido foi nomeado presidente de uma província no norte, Virgília acompanhou-o, separando-se definitivamente do amante. Mesmo depois do retorno do casal à Corte e a morte de Lobo Neves, a relação não foi retomada.

Solitário, Brás Cubas dedicou-se a projetos pessoais que geralmente resultavam em fracasso. O último deles foi a fórmula de um remédio que servisse de cura para todos os males e, por conta deste, ironicamente, acabou adoecendo e morrendo. Longe de representar apenas preocupações humanitárias, a tentativa de criar o remédio indica um traço fundamental da personalidade de Brás Cubas: o desejo de glória.


ANÁLISE

Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado originalmente entre março e dezembro de 1880, na Revista Brasileira, como folhetim. Mais tarde, no ano seguinte, foi transformado em livro, pela Tipografia Nacional, e, mesmo na época, dividiu diversas opiniões de críticos e escritos, tanto negativas quanto positivas.

É, de fato, um livro de grande importância para toda a literatura brasileira. Além de principiar o Realismo, no Brasil, em 1881, o livro representou uma nítida mudança no estilo machadiano e trouxe muitas inovações para uma época ainda presa à concepções românticos, causando, assim, uma recepção atônita.

A incrível genialidade e novidade é o fato de a obra ser narrada por defunto-autor:

“...é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço.”

Ou seja, Brás Cubas não é um autor defunto, um autor que, em vida, escrevia e morreu. Ele é um autor que, depois da morte, escreve suas memórias. Dessa forma, ele tem uma certa vantagem: pode difamar amigos, fazer revelações e críticas, pois está além da punição ou vingança.

Memórias, segundo muitos críticos, é considerada uma obra de literatura menipeia, ou cômico-fantástica. Vê-se, nela, através de uma análise, aspectos de tanto fantasia como comicidade. O primeiro é visível em duas situações: Brás Cubas, morto, ainda escreve sua história, sua autobiografia e, no capítulo VII, tem um delírio em que viaja montado num hipopótamo e encontra-se com Pandora (uma forma de mostrar que o ser humano nada mais é do que um verme diante da Natureza). Já o caráter cômico, vê-se através do humor e ironia com que Brás tece suas críticas. Portanto, há fantasia e realidade, comicidade e seriedade, e, também, cartas e novelas em apenas uma trama, e nenhum enobrecimento dos personagens e de suas ações. Tudo isso faz com que a obra se encaixe nessa espécie de literatura, a menipeia.

Embora pertença ao Realismo, a obra ainda se afasta em alguns pontos dessa escola, aproxima-se do Romantismo ou ao menos se volta para as vontades e estilos do autor. É exemplo disso o rompimento com a objetividade, característica realista que todos seus adeptos seguiam, como Flaubert, o introdutor do Realismo francês, que pregava uma narrativa objetiva e o narrador escondido, “um romance que narra a si mesmo”, enquanto que Machado trouxe um narrador em primeira pessoa, nada escondido, Brás Cubas, que pode manipular os fatos.

Outro aspecto em que há ruptura é a linearidade. Aí se destaca características próprias do autor, trazendo o que chamamos de impressionismo associativo, afastando-o da corrente realista. Os fatos simplesmente são tratados conforme afloram à mente do narrador. Assim, Memórias apresenta dois tempos: o psicológico, que não segue ordem temporal linear (o que foi dito anteriormente) e o cronológico, os fatos seguindo uma ordem lógica. Até o capítulo VIII, vê-se o tempo psicológico, e, a partir do IX, a história apresenta começo, meio e fim: o tempo cronológico.

Além disso, outra fuga da obra está presente nos resíduos românticos que ainda a permeiam, mesmo que poucos. No caso, são os romances, paixões e amores de Brás Cubas, ainda que relações e casamentos perfeitos e o tal maniqueísmo não existam, e as personagens ajam apenas por interesse na ascensão social. Exemplo para tal é o casamento que o pai de Brás quer para o filho, com Vírgilia, filha de um deputado, e isso poderia, consequentemente, trazer-lhe a ascensão à política.

A obra tem sua importância também no fato de antecipar características modernistas, como a estrututra fragmentária não-linear, o gosto pelo elíptico e alusivo, e a postura metalinguística de quem se vê escrevendo.

Brás Cubas constroi um livro repleto de digressões, intervindo na narrativa para conversar diretamente com o leitor e comentar o próprio romance e suas personagens e fatos. Muitas vezes, detém-se à metalinguagem ao parar a escritura do romance, falando sobre o ato de escrever. O pessimismo também é marca da obra. O narrador tem uma perspectiva desencatada e de desprezo do mundo (ceticismo), dirigindo sua crítica ao gênero humano, e, ainda, transforma o leitor em uma das vítimas das ironias que marcam o livro. O humano é visto como hipócrita, que finge ser aquilo que não é. Assim, vê-se o universalismo, em que a humanidade é retratada.

O psicologismo é cerne da obra. Aliado à crítica social, assim, meio que combate o Romantismo através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar, e colocando em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa. Dessa forma, os personagens da obrs são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há uma separação nítida entre cada classe, como bem representam Dona Plácida e o negro Prudêncio.

Críticas ao positivismo de Comte e ao cientificismo e à teoria da seleção natural também estão presentes na obra, através do Humanitismo, teoria criada por Quincas Borba, amigo de Brás, que, mais tarde, seria melhor desenvolvida em Quincas Borba (1891).


PERSONAGENS:

Brás Cubas: o protagonista. Chamado de “menino diabo”, maltratava os escravos, mentia; o pai sempre perdoava, enquanto a mãe apenas rezava, pedindo que o filho melhorasse, daí uma crítica às famílias do século XIX, o marido sempre dominador, e esposa, submissa, fraca. Na narrativa, Brás parodia o determinismo do Naturalismo, “uma flor nascida do estrume”, que ele é o fruto dessa índole, o meio de criação. É um mau-caráter, representa o modo de ser das elites do Brasil, assim, trata-se de um personagem alegórico, como os de Gil Vicente.

Virgília: personagem que estabelece uma relação intertextual com Capitu, de Dom Casmurro. É a mulher que o pai de Brás Cubas sonha para o filho, mas ela, porém, se casa com Lobo Neves. Mais tarde, comete adultério com Brás, e o amor que se desenvolve ente os dois é realmente verdadeiro, algo sincero e real na obra. E essa questão de Virgília, sua traição, é uma crítica ao patriarcado da sociedade nessa época, em que o papel da mulher era de submissão total ao marido.

Marcela: primeira paixão de Brás Cubas. Faz intertextualidade com Lucíola, de José de Alencar e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas, filho. Marcela amou-me durante quinze meses e oito contos de réis, frase mote do livro. Segundo Brás, sua paixão pela moça teve duas fases: a consular, quando ela é amante dele e de Xavier, e a imperial, quando ela só é amante dele.

Eugênia: pobre, mas com caráter, a moça não aceita a sedução de Brás. Nesse contexto, há uma narração fragmentária, sobre a borboleta negra, que ilustra bem essa situação. Eugênia é coxa, e seu defeito físico também diminui o interesse de Brás. Ela termina seus dias num cortiço do Rio, como pedinte.

Prudêncio: escravo dos Cubas, era maltratado. Depois do libertado, ele se torna cruel, e, um dia, Brás o encontra açoitando um outro negro, agora seu escravo. Aí se desenvolve a tese determinista de que a opressão gera opressão.

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