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ANÁLISE: "O Mulato", de Aluísio Azevedo

O AUTOR

Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857, na cidade de São Luís, no Maranhão.

Aos dezessete anos, em detrimento da vontade dos pais, Aluísio viajou ao Rio de Janeiro para estudar pintura e desenho na Academia Imperial de Belas Artes. Subsequente a isso, começou a trabalhar fazendo caricaturas e poesias em alguns jornais, e em 1878, contudo, com a morte do pai, retornou à cidade natal, onde publicou Lágrimas de uma mulher, obra ainda nos moldes românticos.

É, então, em 1881, influenciado por Émile Zola e Eça de Queiróz, que Aluísio publica O mulato, que principia o Naturalismo no Brasil e, lamentavelmente, traz ao autor alguns opositores, já que a obra tinha cunho acusatório à política maranhense e, principalmente, atacava ao clero.

Como efeito, voltou ao Rio de Janeiro e passou então a viver da literatura, lançando romances, ainda românticos, os quais denominava ele mesmo como “comerciais”, para agradar ao público, e os romances naturalistas, chamados de “artísticos”, feitos com dedicação e considerados verdadeiras obras-primas.

Mas em 1895, cansado do pequeno rendimento que a literatura começou a trazer-lhe, Aluísio ingressou na carreira diplomática, função que o autor sacrificou-se exclusivamente, viajando para vários países, até que faleceu em 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, aos cinquenta e cinco anos.

O REALISMO-NATURALISMO

O Realismo teve seu início no ano de 1857, na França, com a publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Tinha como principais conceitos à busca da verossimilhança, fazendo uma representação objetiva e fiel da vida e humana e verdadeira realidade. Além disso, opunham-se ao idealismo romântico. Na verdade, agora, a literatura era como um instrumento de crítica social, principalmente às instituições, denunciando todos os tipos de hipocrisia e corrupção da classe burguesa. Os autores realistas criavam seus personagens baseados na observação direta da realidade, com defeitos e imperfeições, por isso saiam em pesquisas, como forma de fazer do romance um legítimo documento da realidade. O Descritivismo era uma constante nas obras.

À essa época, surgiam várias teorias filosóficas na Europa, que influenciariam toda essa geração de realistas. Temos como exemplo Augusto Comte, criador do Positivismo, doutrina que propunha a ciência acima de tudo, e que através da observação, comparação e experimentação, poderíamos explicar o mundo físico. Há também Charles Darwin, que dizia que só as espécies fortes e superiores sobreviviam, e a própria natureza se incumbe de realizar essa seleção natural, que é o principal fator da evolução dos seres vivos. O Determinismo, de Taine, também foi uma das maiores influências, muito visível em O Cortiço, do mesmo autor de O Mulato. Essa teoria pregava que o homem era o simples fruto do meio onde vivia, de sua raça e do momento histórico em que estava inserido.

O Naturalismo, uma vertente do Realismo, embora muito parecido com este, apresentava suas próprias características. O materialismo da existência humana, o carnal, era um desses aspectos. Os escritores naturalistas tinham uma visão determinista do homem, ou seja, o meio, a herança genética, a fisiologia ou o momento histórico influenciam o caráter e as atitudes da pessoa. Propunham, também, uma análise social, psicológica e física dos grupos marginalizados da sociedade, além de tratar de temas como adultério, miséria, crimes, taras sexuais, exploração do trabalho etc. Esses temas são quase trabalhados como denúncias. Uma característica importante do Naturalismo é o cientificismo. De acordo com ele, as personagens que apresentam uma patologia social (adultério, criminalidade) são como amostras de experiências, observadas em suas atitudes.

Émile Zola, escritor francês, um dos principais nomes do Naturalismo, definiu assim o trabalho do romancista: "O observador apresenta os fatos tais como o observa, assenta o ponto de partida e estabelece o terreno sólido sobre o qual vão mover-se os personagens e desenvolver-se os fenômenos. Então, aparece o experimentador e institui a experiência, quero dizer, faz com que as personagens se movimentem numa história particular para nela mostrar que a sucessão de fatos será tal como exige o determinismo dos fenômenos que se põem em estudo."

Mais à frente exploraremos as características naturalistas presentes em O Mulato.


O MULATO: O PRINCÍPIO DO NATURALISMO BRASILEIRO

Como já dito no título, foi O Mulato quem iniciou o Naturalismo, no Brasil, em 1881, mesmo ano em que o Realismo também principiava-se em nossa pátria, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. O contexto em que tudo isso está inserido é o Segundo Reinado: um Brasil monarquista, agrário e escravocrata. Haveria ainda a Abolição da Escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889).

Destacavam-se, nessa época, vários autores realistas, entre eles Machado de Assis, Raul Pompéia e Aluísio Azevedo. Estes tiveram obras de grande notoriedade, como Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas (do primeiro citado), O Ateneu (do segundo), O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão (último).

Agora, vamos tratar de O Mulato. Aluísio Azevedo, quando publicou esta obra, fez di-versos inimigos em sua cidade natal. Alcunharam-no de “Satanás da Cidade” e o redator do jornal A civilização chegou até aconselhou-o a “pegar a enxada, em vez de ficar escrevendo”. É visível então que a obra foi completamente má recebida pela sociedade maranhense, e abaixo veremos o porquê.

O anti-cleriscalismo é a primeira causa que podemos citar e que na verdade também é um aspecto naturalista. Na obra, isso se afigura no padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita e assassino. Foi ele quem assassinou o pai de Raimundo, José da Silva, pois este o pegou no flagra com sua mulher, Dona Quitéria. Além de devasso, como também pode-se perceber em um capítulo, em que ele admirava “a curva macia dos seios (de Ana Rosa)”, pode se dizer que Diogo também é o responsável pela morte de Raimundo, pois persuadiu o Dias a matá-lo. Enfim, o clero é visto em todo a obra como hipócrita, pois, embora culte a Deus, no fundo não passam de pessoas mentirosas e falsas.

A crítica social e a oposição ao preconceito racial, também características naturalistas, foram outros temas que também funcionaram como fator para Aluísio fosse odiado no Maranhão. Na obra, ataca a sociedade maranhense, através da sátira, mostrando os tipos sociais: o comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o cônego relaxado. Critica, ainda, as supertições e a Igreja, que é vista com empecilho ao desenvolvimento social; assim, com grande dose de realismo, o autor pende-se para um exagero caricatural.

Já o preconceito racial é a trama em si. Aluísio, afirmando que a palavra “mulato” serve para “demonstrar um fato, desenvolver uma tese, discutir um fenômeno, usa a literatura como forma de combate social, pretendendo “questionar os fundamentos da sociedade”, denunciando a condição preconceituosa em que viviam os mestiços.

Como solução à realidade retratada, o narrador contrapõe o pensamento positivista (encarnado pela personagem Raimundo), que defendia o progresso, a liberdade social, a superação da religiosidade pelas soluções científicas. As ideias naturalistas transparecem no determinismo das regras sociais: predeterminada pela história do pai, a vida de Raimundo representa um perigo que a sociedade, mais forte, vence e elimina.

A doença nervosa de Ana Rosa, a necessidade fisiológica de casar-se, também ligada ao aspecto carnal de amor entre ela e Raimundo, e seu instinto à maternidade, a sua “recuperação” pela sociedade após a paixão dela, são marcas naturalistas.

Há, na obra, também, algumas características românticas, que manifestam-se na descrição de Raimundo, o herói romântico, idealizado, oponente do vilão Diogo, na frustrada tentativa de fuga de fuga dos amantes, na temática do amor proibido, no final trágico do protagonista e nos belos momentos de descrição sentimental da natureza. Entra então, para contrapor a isso, o triunfo do mal, no final da obra. Esta trata-se de um aspecto naturalista da obra. Os crimes acabam impunes e os criminosos gratificados: a heroína acaba se casando com o assassino de Raimundo (seu amor), e o padre Diogo, responsável por dois crimes, é promovido a cônego.

A obra, em si, trata-se de algo totalmente revolucionário para a época, pois, em vez de oferecer o costumeiro entretenimento literário, esse romance desnudou raivosamente a hipócrita sociedade. O Mulato é umas das obras mais importantes de nossa literatura, tanto pelo seu caráter de denúncia quanto por sua atualidade.

Trecho do primeiro capítulo desta obra:

Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem-cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.


Personagens principais:

Raimundo - filho do irmão de Manuel Pescada, José Pedro da Silva, com sua escrava negra Domingas. A idealização própria dos romancistas românticos, a superioridade absoluta: moral, intelectual e mesmo física, observa-se na descrição deste personagem: Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos, tez morena e amulatada, mas fina, - dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode, estatura alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuís, pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz. Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz baixa, distintamente, sem armar ao efeito, vestia-se com seriedade e bom gosto; amava os artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política."


Ana Rosa - prima e noiva de Raimundo, filha de Manuel Pescada que não consentia no casamento da filha com seu sobrinho, por ser ele filho da escrava Domingas. Leitora ávida de romances, como a Emma Bovary, de Flaubert, ou a Luísa do Primo Basílio, de Eça de Queirós. Seu pai, Manuel Pescada, quer fazê-la casar-se com seu colaborador, o caixeiro Luís Dias.

Cônego Dias - assassino do pai de Raimundo.

Luís Dias - empregado de Manuel Pescada, que por instigação do cônego acabou por assassinar Raimundo. (...) era um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denuncia na casca a podridão interior. Todavia, nas cores biliosas do rosto, no desprezo do próprio corpo, na taciturnidade paciente daquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma ideia fixa, um alvo para o qual caminhava o acrobata, sem olhar dos lados, preocupado, nem que se equilibrasse sobre um corda tesa. Não desdenhava qualquer meio para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar, qualquer caminho desde que lhe parecesse mais curto; tudo servia, tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto desejado. Lama ou brasa - havia de passar por cima; havia de chegar ao alvo - enriquecer. Quanto à figura, repugnante: magro e macilento, um tanto baixo um tanto curvado, pouca barba, testa curta e olhos fundos. O uso constante dos chinelos de trança fizera-lhe os pés monstruosos e chatos quando ele andava, lançava-os desairosamente para os lados, como o movimento dos palmípedes nadando. Aborrecia-o o charuto, o passeio, o teatro e as reuniões em que fosse necessário despender alguma coisa; quando estava perto da gente sentia-se logo um cheiro azedo de roupas sujas.

Manuel Pescada - um português de uns cinquenta anos, forte, vermelho e trabalhador. Diziam-no afilado para o comércio e amigo do Brasil. Gostava da sua leitura nas horas de descanso, assinava respeitosamente os jornais sérios da província e recebia alguns de Lisboa. Em pequeno meteram-lhe na cabeça vários trechos do Camões e não lhe esconderam de todo o nome de outros poetas. Prezava com fanatismo o Marquês de Pombal, de quem sabia muitas anedotas e tinha uma assinatura no Gabinete Português, a qual lhe aproveitava menos a ele do que à filha, que era perdida pelo romance.




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